DIA NACIONAL DO LIVRO (29/10) | A luneta mágica e os casos de intolerância no Brasil: racismo, machismo, etarismo e gordofobia

A leitura dos clássicos nos oferece a certeza de que os grandes autores eram, antes de tudo, severos observadores da natureza humana. Certo dia, diante de fatos que expõem a mediocridade do pensamento humano, que ferem e dilaceram a alma de indivíduos que diferem do padrão estabelecido, me lembrei de um dos meus livros prediletos: A luneta mágica, de Joaquim Manuel de Macedo. O romance, sob domínio público, foi escrito em 1869 e traz, com uma veia cômica, mas nem por isso arbitrária, a cegueira física e moral da sociedade no final do segundo império representada pelo protagonista Simplício. E o que isso tem a ver com a intolerância? Tudo! Basta analisarmos os casos com os quais nos deparamos diariamente.

Tal como o personagem, fazemos uso, inadvertidamente, de lentes que distorcem nossa já limitada visão e que potencializam nossas atitudes vergonhosas, enfraquecendo qualquer rastro de empatia. E, amparados por essas “muletas”, mostramos toda a degradação de que somos capazes. Dia após dia, nos deparamos com fatos que ilustram as mazelas que perduram no mundo. Em reportagem ao Fantástico, a consultora de Direito Maria Nazaré Paulino contou que foi vítima de racismo por parte de um motorista de aplicativo, que se negou a atendê-la quando viu que a passageira era negra. “A chicotada foi no lombo da minha alma. Nas minhas costas. Eu continuo tomando chicotada. Eu continuo indo. Eu continuo sendo amarrada no tronco”, desabafa a mulher, ainda bastante abalada com o ocorrido.

E esse é só um dos exemplos de violência física e psicológica. O programa ainda mostrou que uma rede de farmácias do Rio Grande do Sul orientava os recrutadores a não contratarem homossexuais, pessoas gordas e tatuadas. Ou seja, tudo o que foge do modelo míope e opressor – construído há décadas – deve ser posto à margem, como se fazia em Esparta, na Grécia Antiga, condenando à morte pessoas com necessidades especiais, pois não poderiam se tornar bravos guerreiros.

Voltando à obra de Joaquim Manuel de Macedo, Simplício, ao aceitar as lentes do mágico armênio sem ponderação e senso crítico, segue ratificando comportamentos presentes numa sociedade adoecida, como tantos de nós fazemos. Em seus momentos de dor e desespero, ele muitas vezes concluiu que era melhor ser cego do que ver demais. Quem nunca o fez?

Divulgação